Nos últimos anos temos nos acostumado com novas palavras e significados advindos das inovações a que temos sido expostos cotidianamente. Falamos de robôs, de inteligência artificial, moedas digitais, mundos paralelos, realidades gêmeas com muito mais frequência e tranquilidade do que num passado ainda bem recente. Os celulares, os eletrodomésticos, os nossos carros têm importância fundamental nesse fenômeno, justamente porque são esses aparelhos que têm promovido a invasão de apps e sensores nos nossos momentos mais caseiros, de descanso, ou nos mais ativos de trabalho.
Tomando os sensores por base podemos facilmente perceber palavras, significados e costumes novos. Primeiro as palavras “sensoriadas1” ou “sensorializada” não eram tão comuns como hoje são, tampouco era comum termos que discutir a ideia de tantos sensores artificiais ao nosso entorno, tanto menos de nos acostumarmos com o uso intensivo deles. Posso dar exemplo.
Tornou-se bastante comum o pagamento de contas de consumo por aproximação, seja do cartão, do relógio ou do celular. Como se dá tudo isso? Por meio de um conjunto de sensores e acionadores instalados em todos esses dispositivos dedicados à cadeia de pagamentos: a maquininha, o software de caixa, o celular, o relógio ou um chip subcutâneo.
Também nos acostumamos rapidamente com o sensoriamento da nossa movimentação pelas cidades e bairros. De novo o celular tem papel visível e fundamental nessa lógica da captação dos dados sobre o caminhar, o dirigir, o consumir pelas ruas e comércio.
Nesse cenário, as cidades também se alvoroçaram por conta das possibilidades criadas pelas redes de sensores interconectados captando dados o tempo todo que podem ser analisados em tempo real, com o uso de Inteligência Artificial, de modo a acionar os serviços e atenções devidas para cada ocorrência anormal nos espaços públicos, abertos ou não. Sermos contados, rastreados, reconhecidos, percebidos pelos sensores das nossas cidades não tem mais nada de novidade ou assustador.
Claro que o volume enorme de dados captados cria uma gama também enorme de potenciais tratamentos, percepções, monitoramentos, intervenções na vida e rotina das cidades, e aquelas que o fazem bastante bem ainda são elevadas ao título de cidades inteligentes, onde todos nós, efetivamente, queremos viver.
Mas urge um desafio! Um desafio ligado também ao conceito de sentir, perceber, reconhecer.
Não de um modo digital, tecnológico ou computacional. Mas de uma forma calorosa, humana, urbana e cidadã. Não por meio uma rede de sensores, mas por conta de uma rede de atenção, sensível, que não é eletronicamente acionada ou “triggerizada2”, mas por uma rede de cidadania, vínculos, engajamento, participação, pertencimento, de solidariedade que ativa, desperta e provoca a ação coletiva, política e cidadã.
Para dizer bem a verdade, cobrir uma cidade de sensores é muito valioso e uma questão de projeto e orçamento. Os métodos, ferramentas e tecnologias estão todos maduros e disponíveis.
A questão está em como construir e manter a humanidade, o cuidado, a ética, o convívio e cobrir uma cidade de SENSIBILIDADE.
Como estamos no período eleitoral, vou omitir o autor do pensamento que me remete a essa discussão, mas aqueles que o conhecem, saberão de quem estamos falando. Mas o prefeito da cidade onde eu vivo diz sempre que a “inovação só vale se for um processo social”.
Toda vez que ele diz isso eu interpreto que o faça pensando no acesso, na distribuição e nos benefícios equânimes para todos os habitantes das cidades, mas tenho certeza de que quando eu ouço me remeto à questão da sensibilidade urbana, da colaboração urbana, da solidariedade cidadã, da eficiência humanizada do serviço público e da diferenciação entre a rapidez da solução tecnológica e digital e da eficácia do serviço humano e caloroso.
Se é verdade que nos acostumamos com esses aparatos eletrônicos e digitais nas nossas vidas, tenho certeza de que jamais nos acostumaremos a possibilidade da desumanização e dessensibilização das nossas cidades, ainda que tais anomalias insistam em se apresentar.
Tomo a liberdade de traduzir sob o meu ponto de vista o pensamento do prefeito para o contexto desse artigo. Então eu digo que a “inovação e tecnologia nas cidades só fazem sentido se forem habilitadoras e potencializadoras da sensibilidade cidadã, do desenvolvimento urbano e das relações humanas entre seus cidadãos”.
Em tempo de propostas e promessas, que tal se pudéssemos provocar nossas comunidades para o papel sensibilizador da tecnologia frente à realidade de cada uma das nossas cidades?
Sentiu? Ou como se diz na terra de meus antepassados, “percebeste”!
Mauricio Pimentel
Consultor, palestrante e professor
Especialista em tecnologia e Cidades Inteligentes.
1 Sensoriadas: equipadas de sensores. Objeto ou espaço que receber um conjunto de sensores a fim de que tenha captadas informações do comportamento, por exemplo, temperatura, movimentação, ruído, acesso, dentre tantas outras variáveis.
2 Triggerizada: Neologismo derivado do termo “trigger” que em inglês significa gatilho ou acionador. Usa-se o termo na eletrônica ou na computação para tratar de uma condição, dado ou evento que dispara uma rotina pré-definida, programada, ou, como chamamos, um algoritmo.