Há algum tempo venho tratando o conceito de inteligência de um modo pouco filosófico e acadêmico e bem pragmático. Para mim, inteligência é a capacidade de um indivíduo, sozinho ou coletivamente, apropriar-se de novas informações e atributos de coisas (objetos, fatos, enredos, cenários, realidades…) novas, torná-los inteligíveis, criar opinião, avaliação ou julgamento sobre elas e decidir pela sua adoção ou não.

Posso exemplificar.

Imaginemos que uma pessoa se depare pela primeira vez com uma tecnologia qualquer, e que com algum esforço de observação comece a perceber atributos, formas, métodos, práticas que caracterizam essa novidade. Na sequência, ainda que sem propósito, comece a se familiarizar com ela e ganhar fluência e competência no uso até que em dado momento possa dizer que é bom, que ajuda, que vale a pena, ou que não mais lhe interessa por não lhe ser útil ou agradável, e por fim decida se adota ou não em sua vida.

Essa é uma experiência comum, normal e frequente em nossas vidas, e é a isso – essa capacidade de apropriar-se de algo novo seguido da capacidade de avaliação e decisão – que eu chamo pragmaticamente de inteligência.

Pois bem, o que seria então uma cidade inteligente?

Seria a cidade, de modo íntegro e completo, que na sua complexidade e dinâmica diária é capaz de perceber, apropriar-se e tornar efetivas facilidades e cuidados com aqueles que a consomem (habitantes, empreendedores, investidores, turistas …), que façam a vida ficar mais fácil, fluida, respeitosa e cívica.

A obrigação e o dever da construção e manutenção dessa capacidade é quase sempre atribuída ao governo local e à tecnologia, e isso está correto, porém é absolutamente insuficiente. E daqui é que eu proponho uma nova reflexão, o que seria a Inteligência da cidadania nas cidades inteligentes, e qual a sua relevância?

Transpondo diretamente o conceito que proponho acima e simplificando a sua aplicação poderíamos considerar que é a capacidade que o coletivo cidadão tem de observar a realidade local; apropriar-se de dados, informações e atributos presentes; refletir e contextualizar em função da sua própria experiência e crenças criando opinião sobre tudo isso; e decidindo se e como participar efetivamente desse cenário.

Claro que aqui tem muito mais do que simplesmente uma ação de governo apoiada em tecnologia.

A tecnologia pode e deve oferecer os serviços, os dados, as novidades aumentando sensivelmente a possibilidade de uma população conhecer melhor o seu governo, os processos, as decisões e os modelos de convívio. O governo, por sua vez, pode e deve usar da tecnologia para aumentar o quanto possível a transparência, a participação e a acomodação da diversidade de ideias, interpretações e opiniões advindas da cidadania. Mas, nada disso é suficiente para a transformação desejada se o coletivo cidadão não se apropria, não se engaja, não se responsabiliza pela internalização do que lhe é proposto, pela avaliação a partir das práticas e experiências orientadas ao bem comum e, acima de tudo, decide coletivamente o que deve ser adotado, efetivado e implementado pela política pública, e o que não.

Quando essa participação e esse papel da sociedade são efetivos, aí sim temos uma Cidade Inteligente no mais amplo sentido, não naquele que só responsabiliza a tecnologia e o governo vigente.

Esse texto é uma reedição de outro de minha autoria, mas o sentimento de relevância dessa discussão me parece justificar o reuso.

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